ONDE COME UM…
Pelas bandas do Rio Escuro, num local aonde um pequeno córrego vindo de nascente que brota numa vereda bem cuidada, cujos proprietários rurais Jerônimo e Francinete entendem tanto de meio ambiente que apesar de quase analfabetos, merecem diplomas de graduação, tal o conhecimento que demonstram em relação à flora brasileira. Nesse canto de terra distante da cidade uns 45 km, parece que o progresso propriamente dito não chegou, vive o casal e uma escadinha de filhos. Os filhos educados à moda antiga são prestativos e obedientes, Olavo já tem 22, Ernesto 19 e Dorinha 17, com apenas 12 anos Luiz quando não está na escola rural já trabalha que nem gente grande na propriedade. Os 35 hectares da família com todos trabalhando gera o sustento do casal e filhos. Num certo final de ano, tia Zulma veio visitar a família e passou uma semana na roça, conversa vai …. e ….vem, Maria das Dores (Dorinha) se viu tentada a seguir a tia para a cidade grande, ouviu a moça tanta novidade que se entusiasmou, queria a jovem aprofundar nos estudos, os dois filhos maiores tiveram pouca instrução e não se mostravam motivados a sentar mais em banco de escolas, já a jovem virou a cabeça de vez, bastou uma semana e tudo ficou acertado, Dorinha seguiria com a tia com quem moraria, tudo resolvido, pai e mãe com o coração partido se renderam à vontade da filha. No mesmo fim de semana Dorinha seguiu para a cidade, enquanto se adaptava começou a fazer trabalhos domésticos aqui e ali, tão logo iniciaram as aulas se matriculou visando se instruir mais. Uma vez por mês Dorinha ia à casa dos pais, vestia suas roupas de trabalho e com os irmãos laborava de igual por igual, o pai e mãe cheios de orgulho viam e sentiam ter educado bem os filhos. Mal virou o primeiro ano, eis que um dia do mês de outubro, segunda-feira, logo depois do almoço, Ernesto levanta o olhar enquanto tratava do gado e vê no início da curva uma pessoa vindo em direção ao curral, mochila de lado e um boné cinza desbotado. Gritou o rapaz: –Mãe! Mãe! É Dorinha chegando. –Luiz vá chamar o seu pai e Olavo, falou Francinete, o moleque com apenas uma corda improvisa um cabresto, monta num cavalo e dispara até uma área de plantio de arroz. Quinze minutos depois a família inteira reunida se abraça em comemoração, Dorinha voltou. A jovem voltava para seu antigo lar, e até tarde da noite ficou a repassar as vantagens e desafios da cidade para os atentos irmãos. Na manhã seguinte enquanto Dorinha se preparava para, como antes, ir para a lida com os irmãos, sua mãe notou a filha secando algumas lágrimas, tomou a experiente mãe a filha pelos braços e disse em voz alta: -Meninos! Hoje Dorinha fica comigo. Em quinze minutos a mãe se inteirou de tudo. Passados dois meses, ao retornar da cidade onde fizeram compras, Francinete preparou um jantar que mais parecida um banquete, pegou a bíblia, leu e explicou a parábola do filho pródigo. A família se abraçou, tal qual faziam antes e jantaram felizes. A mãe com a palavra informou a todos que Dorinha em breve seria mãe e disse que todos deveriam ajuda-la. Ninguém repreendeu a garota. Olavo quase sempre muito calado disse: -Preocupa não minha irmã, como diz sempre o pai, ONDE COME UM COMEM DOIS. De novo, a família se abraçou em comemoração.
(No século passado esses fatos aconteciam sempre)
Miguel Francisco do Sêrro – Advogado e Historiador
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