INVOCAÇÃO DA POSSE EM DEFESA NA AÇÃO REIVINDICATÓRIA

 

 Antes de singrar os mares da posse em sede de defesa nas petitórias, vale dizer, grosso modo, usucapião e reivindicatória, é bom abrir clareira dizendo que as reivindicatórias, especificamente, têm como miolo fazer a junção do domínio com a posse, formando amplamente a concepção de propriedade, ou seja, quando o autor vai ao Estado, através do juízo, dizer que tem o domínio, mas não tem a posse, que por algum motivo perdeu, ou nunca teve, como é muito comum, dar oportunidade para o réu na defesa alegar usucapião, defendendo a posse.

Abrindo parêntese, existe no mercado imobiliário venda de domínio sem a posse, a famosa “venda do papel”. O camarada vende o documento do imóvel que não sabe nem onde é que fica a posse, para alguém ir a campo criar conflito agrário sem lançar mão da ação reivindicatória. Um dos pilares que sustenta e fomenta a contenda agrária no campo são essas vendas de papel dissociadas da posse. A legislação deve evoluir para inibir essas vendas anômalas, pois como se sabe a propriedade é um conjunto de fatores. Obviamente que a venda da posse deve ter o mesmo tratamento, mas como se privilegia o exercício econômico dela, fica muito mais fácil a empreitada do legislador.

Vale salientar que os institutos brasileiros, tanto para a defesa do domínio como para a defesa da posse, são de grandeza ímpar, e vêm sendo burilados ao longo dos tempos, é tanto que o Artigo 1.071 do Código de Processo Civil de 2015, dando força à posse, ao exercício econômico, diz: “O Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 216-A”; e enumera tantas e quantas exigência, mas a principal mudança vai impressa na cabeça do Artigo 216-A da Lei de Registros Públicos, fazendo forte aceno ao posseiro, falando que “sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado”. Na sequência enumera os requisitos da usucapião extrajudicial, coisa que o advogado que se aventura no direito agrário deve saber, ou deveria.

No tema é importante transcrever para o leitor o que diz a súmula 237 do Supremo Tribunal Federal: “a usucapião pode ser arguida em defesa”. Essa defesa pode ser de posse de imóveis rurais como urbanos. Assim se têm manifestado todos os tribunais do país, de modo a tornar ineficaz a pretensão do autor quando o Judiciário acata arguição de usucapião em sede de defesa. Cuidado nobres advogados que irão patrocinar defesa de posseiro, tenha em mente os requisitos da usucapião, seja em que modalidade for, pode ser arguido em sede de defesa sim.

Saindo dos floreios, seguindo na questão proposta, entrelaçando com um dilema que aflige os operadores do direito, notadamente os agraristas, é se o reconhecimento em sede de defesa dá direito a título de aquisição, pois se a contestação se baseou na posse que confere usucapião, tal defesa feita em reconvenção deveria dar direito ao título de domínio, e não dá, inclusive o Superior Tribunal de Justiça vem chancelando a questão. O réu teve reconhecido o direito à usucapião em sede de dessa, não leva de brinde título aquisitivo, devendo ingressar com a ação própria, a de usucapião. A lei nesse ponto deve avançar. No final do texto a jurisprudência selecionada lança luz nessa ribalta. Um ponto fundamental, processual por excelência, é o cuidado que os operadores do direito devem ter em não manipular a reconvenção tendo objeto a usucapião, pois é vedado pela lei, e olimpicamente impedido pelos tribunais. Atenção causídicos com as empolgações, não é bom movimentar o judiciário com a teoria do achismo, ideias iluminadas, pois o negócio lá é preto no branco, se está na lei, vai, se não está, fica. Antes de bradar contra o humilde articulista de província, é de bom conselho ler a cabeça do artigo 557 do Código de Processo Civil que diz que “na pendência de ação possessória é vedado, tanto o autor quanto ao réu, propor ações de reconhecimento de domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa”, e verá que há incompatibilidade de ritos. Há uma exceção, como será explicado adiante.

Com tudo isso, vem um homem que estava bebendo calado vinho chileno no fundo da taberna, escutando toda a conversa, levantando a voz e na mão erguida um livro do Roberto Bolaño, grita: – vocês estão esquecidos do comando do artigo 7º da Lei nº 6.969 de 1981 onde está escrito que “a usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de Imóveis”. Vejam bem que a Lei em zona de foco trata da usucapião especial, atenção.

Essa forma de reconhecimento esbarra em uma série de implicações, próprias da ação de usucapião, tais como citação dos confinantes, dos ausentes e de todos que devem tomar parte na ação, notadamente o Ministério Público que deve interferir em todos os atos do processo, como reza o parágrafo 5º do artigo 5º da mesma Lei nº 6.969. A nosso ver, cremos que o artigo 7º, como muitos bons juristas por aí, interpretou mal a Súmula 237. Ora, esta não quis dizer que o reconhecimento da usucapião em defesa afaste o meio regular para que se declare por sentença o domínio, o que não pode é vir ao mundo sentença que o processo não preencheu todos os pressupostos processuais para a usucapião.

A nosso ver, a orientação da Lei nº 6.969 não está certa, pelos conflitos que virá à baila em sua aplicação, entretanto, pelo que foi dito e mostrado, é possível, na forma de reconvenção, nesta hipótese, seja possível e que o juiz da causa tome essa defesa como se fosse, como é, uma autêntica ação de usucapião, pelo reconhecimento que o artigo 7º lhe dá. Quando assim acontece, e a sentença final possa produzir efeitos contra terceiros, necessário se faz sejam citados todos os confinantes, e feita as respectivas cientificações aos órgãos que a referida lei indica. Caso não seja assim procedido, depois esse processo pode ser fulminado por motivo de nulidade ou ação rescisória.

Jurisprudência Selecionada. Ementa: AÇÃO REIVINDICATÓRIA. DEFESA DO POSSUIDOR CONSISTENTE NA ARGUIÇÃO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. Sentença de improcedência. Acolhimento de exceção de usucapião alegada como matéria de defesa. Súmula 237 do STF. Pleito recursal da autora. Preliminar de nulidade afastada. Obrigatoriedade que se aplica à ação de usucapião. Posse do réu superior a dez anos, sem qualquer oposição de terceiros, com animus domini, justo título e boa-fé. Prova coligida, documental e testemunhal, que revela o preenchimento dos requisitos que obstam a procedência da ação reivindicatória, porém, não confere título aquisitivo, eis que o reconhecimento da prescrição aquisitiva exige procedimento próprio. Ação de usucapião já interposta pelo réu e em trâmite na Comarca de origem. Indisponibilidade que não afeta usucapião, forma de aquisição originária da propriedade. Sentença mantida. APELO IMPROVIDO. (TJ-SP – AC: 10085548420188260224 SP 1008554-84.2018.8.26.0224, Relator: Ramon Mateo Júnior, Data de Julgamento: 15/09/2020, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/09/2020)

O recente Aresto do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, transcrito acima, diz com clareza fenomenal que a sentença de improcedência nas ações reivindicatórias não serve como título para que o réu vá ao cartório competente registrar o título, pois teria ainda que ingressar com a ação de usucapião para que viesse ao mundo o título hábil para o registro. Diferente do que diz a jurisprudência em comento, como dito ao longo do texto, a sentença das reconvenções, tendo como objeto a usucapião especial, serve para ser registrada em cartório de registro de imóveis, claro, se não vier ao mundo com vícios e máculas. Aí é ver o caso concreto, por onde o advogado deve andar para fazer valer o pleito do cliente, que trilha deve percorrer para chegar ao cume da montanha e respirar ar puro, o do êxito.

MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário o Imobiliário. Também escreve para o portal www.fazendasnaweb.com.br.
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