O EFEITO DAS “AULAS FANTASMA” NO ENSINO A DISTÂNCIA
Gabriel Luiz de Jesus Ribeiro
São muitos os pontos que mereceriam ser destacados sobre as aulas a distância nas instituições de ensino. Mas, aqui, podemos, pela brevidade, estabelecer apenas alguns desses pontos e sugiro apenas aqueles aos quais a minha capacidade reflexiva permite caminhar.
No contexto educacional, as desigualdades se integram de uma forma única e muito comum. O acesso, a permanência e o êxito nas práticas educativas se diferem em cada um dos sujeitos que compõem o modelo ensino-aprendizado, o que não significa que temos tido ciência da dinâmica formadora desses modelos grupais e como mitigar essas desigualdades e seus efeitos a longo prazo. Esse desconhecimento sobre as várias dinâmicas no contexto educacional inviabiliza qualquer estratégia de sustentabilidade dentro da educação a distância.
Os últimos estudos científicos sobre a educação a distância, sobretudo, utilizando ferramentas de videoconferência durante o período pandêmico, denunciam o longo período em que crianças e adolescentes passam em frente a telas de computadores para fins educativos tradicionais, o que potencializa a permanência desses indivíduos nessas “telinhas”, sem contar o acesso a aparelhos celulares, tablets e TV para os momentos de lazer.
Já no caso da vida universitária, não temos muita diferença. Apesar de na educação infantil a qualidade do ensino não ser discutida com exatidão, temos na universidade um instrumento balizador obrigatório: a construção do modelo profissional perfeito e que urge uma educação que desenvolva esse profissional modelo. É claro que essa é uma cobrança mercadológica, mas que precisa fazer parte de nossa discussão. Dessa forma, o crescimento da cobrança de uma educação efetiva surte mais efeito no período universitário, afinal, com a angustia do potencial futuro que esses jovens têm construído, as instituições de ensino precisam garantir, para todos os efeitos, que o ensino “será o mesmo que o presencial”.
Mas a situação é um pouco mais complicada. Além da falta de acesso a todos os recursos necessários para um bom atendimento educacional a distância, as relações “com a máquina” não são características presentes nos profissionais de grande carreira, mesmo aqueles já acostumados com o seu uso nas atividades de pós-graduação. Agora, essa máquina se tornou sala de aula, construção de relacionamentos, olho no olho, consideração de dinâmicas, processos de avaliação enfim, tudo em um só, o que dificulta que apenas o professor seja operador de tudo isso e protagonista ao mesmo tempo.
Dessa forma, com tantas atribuições retidas em apenas um instrumento e com a quebra do protagonismo do ensino-aprendizagem, damos margem para “aulas fantasmas” que só instrumentalizam slides como “objeto de ensino” como, também, transformam os alunos em modelos passivos na troca de saberes, o que fortifica a ideia de “entrega e recebimento” do conteúdo didático, rompendo a interlocução de saberes; isto é: o locutor emite sua mensagem de ensino, a qual o locutário recebe e responde de volta, cumprindo o processo de troca.
Alunos, sobretudo aqueles que já não se sentem acolhidos no modelo tradicional, se veem em casa, alguns, muitas vezes, cansados da rotina e sem muita empolgação para “receber conteúdo, somente” se encontram em um papel passivo, operante e de repetição dentro das aulas. Essa transformação, portanto, consolida as “aulas fantasmas” e isola os sujeitos cada um em seu lugar da cadeia de ensino sem que haja relações nem características a serem partilhadas entre os seus.
Há aí um grande desafio, ou se pudermos chamar de missão, também nos serve: consolidar um ecossistema virtual, ou seja, estabelecer diretrizes que possibilitem que as práticas que integram o novo modelo de “ensino-aprendizagem” deem um suporte a outra, vivenciando entre elas um modelo vivo de troca, de sentimento de pertencimento e de aquisição do conhecimento.
Não é só sobre “abrir câmeras” e “falar”, é sobre autoestima e como eu me percebo falando, me ouvindo e me vendo falar, ao poder enxergar que falo com uma máquina que não me permite relacionar instantaneamente o que falo com o que é reagido pelos meus ouvintes. Aí, pois, isolo-me por não saber como eu posso falar, como eu posso participar desse processo tendo o pouco que tenho e se esse pouco será o suficiente para ser usado – e julgado – em uma aula dessa importância em que tudo e todos estão calados e sedimentados a suas repartições caseiras e realidades, seja lá quais forem.
As câmeras ligadas já são de grande ajuda, a participação falada, assistida e discutida em forma de troca, ainda mais, mas precisamos entender que o processo é esgotante de qualquer forma e que em um dado momento eu terei falado tanto que também precisarei de isolamento já que não tenho muito mais o que falar – a não ser que novos rumos da história surjam para que eu conte a minha versão – e aí está o papel do professor. É como uma folha de cartolina enrolada que precisa, inevitavelmente, ficar reta e lisa para que eu faça o meu desenho: preciso alisar várias vezes, tentar desenrolar muitas outras e, até mesmo, fazer o papel inverso do que eu havia enrolado antes, quem sabe a cartolina não se equilibra e encontra um ponto de exatidão? Essa é uma tarefa de mão dupla e que exige muita conversa e muita parceria.
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