O QUE QUERES OU PRECISAS?

foto da internet para ilustrar

Certa vez na Paracatu do Príncipe um pedinte chamou no portão, era maio ou junho, clima frio, queria ele algo para comer, atendemos de pronto.   Usava uma bermuda na cor verde e uma camisa alusiva a um time de futebol, tinha jogado nos ombros um trapo que se bem avaliado não media o tamanho de um cobertor pequeno.   Trazia no rosto marcas claras de que o sol não lhe poupava queimaduras, a idade era uma incógnita, entre 28 e 50, difícil precisar especialmente quando se trata de pessoas que vivem ao relento.   Chinelo de dedo num pé, uma sapatilha no outro.   O homem comeu o que lhe ofertamos silenciosamente, bebeu água, então indagamos se queria algo mais, de pronto disse que não.   Entendemos por bem entregar ao sem teto algo para lhe cobrir quando e onde resolvesse pernoitar, ao oferecer uma manta do nosso uso retirada do guarda roupas, ele sem esboçar qualquer contentamento sorriu e se foi caminhando pela noite.   Na manhã seguinte, exatos três quarteirões longe de minha casa, deparamos com a manta jogada na calçada, dando a entender que sequer foi utilizada.   Senti momentaneamente um misto de raiva e tristeza.   Refletindo sobre o pedinte me lembrei de outra situação ocorrida uns quinze anos antes.   Em deslocamento por uma rodovia federal parei onde era realizada obra de melhoria em área urbana.   Observei um diálogo marcante entre o engenheiro e um encarregado, percebam:       -Chefe, podemos iniciar a calçada para os pedestres?   Disse Zacarias ao engenheiro.   –Zaca, marque a partir de hoje, dez dias, e observe onde o povo escolhe para passar, alí faremos a calçada.   –Mas chefe.   Tentou argumentar Zacarias.   –Escute Zaca, “Um vaqueiro no campo afastado muitos quilômetros de casa, homem do campo mesmo, descalço e cansado, aparece para ele um gênio da lâmpada e oferece apenas uma escolha, terá de se decidir entre um cavalo arreado e um avião, o que o vaqueiro escolhe”?   Zacarias arregala os olhos coça a cabeça e diz:   -O cavalo, ora!   –Dez dias Zaca, depois falamos.   Finalizou o engenheiro.   O encarregado se afastou meio sem entender.   Nos serviços de monitoramento e ronda após aquele diálogo, notei que as pessoas naturalmente foram criando uma trilha onde entendiam melhor fazer a travessia no ponto que gerou o impasse entre o engenheiro e o encarregado.   Ali foi construída a calçada destinada aos pedestres.   Retornando ao pedinte, quis eu naquela bendita noite dar-lhe algo que não pediu.   Depois de alimentado ele me confidenciou precisar de “um troco” para tomar uma.   Pensei, entendi que o homem estava com frio, ao invés de ajudá-lo esquentar a garganta quis lhe aquecer o corpo, admito que errei ao não dar o dinheiro da cachaça.   Apesar de sujo, maltrapilho e faminto, aquele indivíduo manteve com maestria uma das poucas coisas que lhe restava, o direito de escolher.   Há um dizer muito certo em relação a Deus, pedimos ao Criador muitas coisas e ele, sábio que é, nos dá o que precisamos, quase sempre diferente do nosso pedido.   Nas relações humanas talvez tenhamos de ser mais observadores e atendermos mais as pessoas do nosso convívio, obviamente não defendo aqui que devemos encher de bebida todos os que nos procurarem, mas, deixarmos de ficar empurrando goela abaixo das pessoas tudo do jeito que pensamos que tem de ser.   Afinal não somos absolutamente donos da verdade.   E, anotem, quando por erro concluímos estarmos sabendo muito, estamos atingindo exatamente o ponto de começarmos com muita humildade, aprender a aprender.

Miguilim no sábado – aprendendo.

Miguel Francisco do Sêrro – Advogado e historiador

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